Excêntrica Liberdade
Dando início a jornada de trabalho de 24 horas por dia. Incluindo fins de semana. Mente criativa tentando buscar alguma coisa que faça sentido dentro deste emaranhado de confusões.
quinta-feira, 3 de julho de 2025
Orgânico
quinta-feira, 19 de setembro de 2024
Crescei e multiplicai-vos
Adentrando a simulação, eram inclusas complexidades durante os planos base. No começo tudo se iniciava com células simples que se dividiam e multiplicavam perante sua adaptação ao meio em que foram inseridas. Nenhuma evolução, eles diziam, ocorrerá sem dor. Assim se fez, para multiplicar era necessário se dividir, diminuir, cortar, dilacerar, nada se criava do nada, tudo era inserido por algum motivo, ou por algum desejo, ou, além disso, por algum castigo, mas, como castigar algo que não possui formas de sentir que está de fato sendo castigado? Para que uma ação faça sentido, ela deve ser validada pelo seu receptor, a não ser que o ator esteja brincando sozinho com suas ideias mirabolantes em um monologo estranho em um palco sem plateia, sem luz, sem som e sem texto, o que anularia de fato a simulação.
A questão é que de unicelular, se tornaram multicelulares e daí em diante foram inseridos tantos quesitos parâmetros como número de patas, revestimento, tipo de alimentação, tipo de respiração, diurno ou noturno... Eram tantos parâmetros dentro de um lugar só, mas tudo parecia estar em paz enquanto a evolução continuava por tantos outros motivos e é claro, pelo bem da simulação, tudo se criava e se adaptava de tantas formas que era iminente a necessidade de se resetar a entropia.
Nada como por acaso um meteoro ser arremessado na simulação para que ela se refizesse, lentamente. (Como se houvesse uma escolha, me entende?)
Tudo continuava se adaptando mesmo após uma catástrofe daquele tamanho, o que com certeza poderia ter extinguido tudo. Em um sopro, a simulação estaria perdida, o que significa que o botão de reset deveria ser pressionado para se iniciar uma nova simulação, talvez em outro lugar, talvez sem meteoro, talvez sem unicelulares, talvez sem nada do que foi incluído anteriormente, começar do zero. O problema foi esse, após o cataclisma, foram abandonados pois com certeza não haveria como se sobreviver ou se adaptar.
Pois bem, os seres que aqui ficaram se adaptaram a nova atmosfera, ao novo formato global, ao clima e tantas outras coisas, apenas não compreenderam muito bem o novo pacote de atualizações instalado automaticamente pelo sistema operacional. Além de novos tipos de seres, o pacote de expansão ainda previa a criação de novos parâmetros sem a necessidade de incluí-los automaticamente. A sacada foi tão potente que logo a simulação ganhou um “Q” a mais da mais pura e sublime insalubridade. Com o avanço de tantas coisas uma raça foi se sobressaindo em relação as outras por se considerar inteligente, o plano base, se intensificando, se adaptou tanto em relação aos outros planos que recebeu um prêmio “honoris causa” por ser em tantos milhões de anos o primeiro a conter vida (agora era esse o nome que davam a ação de abrir os olhos, respirar, se alimentar e dormir) “inteligente”, é claro que esse prêmio foi dado pelos próprios seres “inteligentes” a eles mesmos.
É claro que estes seres tinham algum problema e logo foram incluídos automaticamente no pacote de expansão, os parâmetros guerra e dinheiro (e por consequência o parâmetro pobreza). Assim também se criou o parâmetro fome (este veio com o parâmetro dor no meio do umbigo, um parâmetro que acompanhava os seres mamíferos, um parâmetro para designar os seres que do nascimento ao final da infância poderiam praticar a ação de mamar no seres dotados do parâmetro fêmea, o umbigo era dado ao ser que nascia a partir do ser mamífero, fêmea por uma espécie de acesso chamada cordão umbilical, daí o nome umbigo.)
Dentre tantas as mazelas que esta simulação (agora automática) traria, ainda haveriam outros seres que não tinham muita inteligência e acabavam nas mãos dos agora predadores “inteligentes” que inventaram as queimadas, a pesca, caça e coleta, máquinas movidas a petróleo “expelidoras” de carbono entre tantas as outras mazelas que a “inteligência” traria para os seres que agora viviam na simulação. Um dia, após tanto tempo com a experiência em Fast Foward, enquanto realizavam a faxina anual no laboratório, encontraram algo tão tenebroso que se contentaram muito com esse novo experimento criado, ao avistar tantos parâmetros juntos, realmente passaram a compreender que o desenvolvedor do pacote de expansão automático não estava de brincadeira, enquanto todos ainda sem fôlego observavam tudo aquilo, ouviu-se lá do fundo da sala, o responsável pela faxina: - Quanta crueldade. – Todos riram ao mesmo tempo, jogaram o tecido em cima da tela e foram se retirando, exceto o analista, este resolveu verificar os gráficos e parâmetros.
Dentre eles, eram encontrados todos os tipos de variáveis, variações políticas, cor de pele, crença, honra, raça, sindicato, posição sexual preferida, prato preferido, corte de cabelo, doença crônica, naturalidade, etc.
A única variação que todos os seres tinham a mais pura certeza que haveria de selar todos os indivíduos era a liberdade, este um conceito muito amplo e utópico para se discutir, quiçá para prova-lo como um manjar.
No fim já estavam todos vendidos, ao nascer, como cães em um petshop.
Vox Populi (Beta Zi'nini Universe) |
sábado, 1 de outubro de 2022
Tous les Jours - 05
O Juca era verdadeiramente um cara bem viajado, tão viajado que em uma dessas conversas de balcão deixou escapar uma de suas viagens pela Ásia, logo no início, quando decidiu viajar por conta de um intercâmbio para a China. Fez faculdade e etc, o cara não era fraco não. Ele contava:
- Por vários dias passei sozinho andando por aí, a capital chinesa,
Pequim é pra lá de variada e tem muita gente andando pra lá e pra cá, o modo
asiático de vida é meio controverso, eles fazem praticamente as mesmas coisas
que os americanos e se dizem comunistas.
O Léo gostava dessas conversas, viagens e etc. Ele só não se abria
muito quando a conversa era sobre mulher, o moleque comia quieto, bem quieto.
Enfim, questionava:
- Mas lá era muito frio?
Juca respondia:
- Acho apenas que o inverno é um pouco menos rigoroso que em algumas
cidades que o inverno é mais forte, como Vancouver ou Cleveland, mas, claro que
quem não gosta de uma friaca, que procure uma cidade mais ao sul, o litoral é
feio, repleto de portos e a poluição é um grande diferencial negativo para as
cidades portuárias como Zhanjiang ou Shenzeng. Hong Kong é tranquilo mas, é um
povo meio esquisito. Quanto mais ao norte, mais frio, Taiwan é caro demais,
Singapura nem se fala, tudo em dólar.
O Antunes queria saber mesmo era do mulheril:
- Fala das mina pô, as chinesas são boas?
Juca não ligava muito pro Antunes e continuava a falar com o Léo:
- Depois que iniciei meus estudos em comercio exterior na
universidade de Ningbo (região próxima a Xangai), consegui um emprego nessas
empresas de manufatura e e-commerce, essas empresas que vendem baratinho e
enviam para o mundo todo seus produtos a preço, literalmente, de banana.
- Falam que na China tem trabalho escravo, é verdade isso?
- As condições nunca eram das melhores, mas, pagavam em dia e o
pessoal lá era bem legal. Um dos meus colegas de trabalho, o Lee
O Antunes:
- Ah isso é balela, nome comum pra caralho, você viu num filme,
vai? Lee?
- Parece clichê, mas eu juro que ele se chamava Lee, apareceu com
um espremedor de suco, essas bugigangas que a gente só vê em sites como Aliexpress,
Alibaba, Shopee e afins. Aquele aparelho era fantástico, silencioso e para a
minha surpresa era também a bateria, ou seja, suquinho tirado da fruta na hora
em que se consumia, tudo o que se precisava era uma caneca, copo ou algum
recipiente e claro, as frutas.
O Antunes já fazia uma cara meio assim enquanto olhava para o barmen:
- Aaaah, que mané suquinho Juca! Não tinha uma maquina que fazia
cerveja? Essa era a boa! Ou Whisky, pultz, aí sim! Um Ballantines 15 anos
direto da fonte. hehe
O Barmen fazia os cálculos de como é que se fazia whisky 15 anos
sem esperar 15 anos. Devolvia para o Antunes que apenas ouvia a história.
- Sempre na hora do lanche, lá não tinha horário de almoço,
trabalhava da hora que chegou até a hora de ir embora e a hora de ir embora
nunca era de fato sempre no mesmo horário. Lá nunca era um diferencial “dar o
sangue” pela empresa, quem não dava o sangue era despedido e pronto, é de fato
uma visão do Comunismo, as pessoas vivem pelo trabalho e pelo Estado mas, que
fique claro, o partido é Comunista, a China não.
Antunes interrompia de novo:
- O QUE? Comunistas? Tô fora! Esse povo aí come criancinha!
O Léo assustado com a fala do Antunes apenas olhava para os lados,
ele acreditava em tudo o que contavam. O Juca seguia:
- Enfim, na hora do lanche percebi que tinha esquecido meu refrigerante
de todos os dias e a máquina estava com o estoque zerado, a empresa que fazia a
manutenção tinha se esquecido da gente.
O Antunes já previa a história toda:
- Tá, aí vai dizer que o Lee Comunista te emprestou a máquina dele
e vocês tiveram uma linda amizade!
Léo sorriu.
Juca seguia:
- O Lee observou que eu comia meu sanduiche a seco e questionou se
eu não gostaria de um pouco de suco ou chá, ele tinha bastante, eu aceitei um
copo e para a minha surpresa ele tinha algumas laranjas ao colocar na máquina espremedora
(ele estava louco para mostrar a novidade, obviamente) me dizia como aquele
aparelho mudou a vida dele, como ele se tornou mais saudável sem ter tanto
trabalho.
Mais uma vez o Antunes atrapalhou:
- Ah, pronto, agora virou história de coach essa porra, nome
genérico, história de superação, ponto chave, cidade que ninguém esteve...
O Juca ainda tentava contar, e desta vez se virou para o Antunes:
- Dava pra ver que ele estava mais esbelto e ao perguntar,
confirmei também que ele estava malhando na academia que ficava próxima a
empresa, ele ia lá todos os dias após o expediente.
- Ah, pronto, agora a história está completa, suquinho e academia...
O Juca estava impaciente...
- Deixa eu acabar???
Antunes se calou e o Léo fez sinal que sim.
- Uns 3 dias depois, passando por uma barraca de frutas,
verifiquei que eles não só vendiam as tais laranjas como também a tal maquina
de espremer, comprei as laranjas apenas, não queria parecer invejoso nem nada
do tipo já que lá eles viam a inveja como algo estarrecedor, e cheguei lá com
as laranjas para o Lee espremer na máquina dele e a gente tomar um sucão. O dia
passou e fomos embora, o Lee estava meio estranho, achei melhor não perguntar.
O Antunes pedia outra dose, sabia que a história ia levar mais
tempo. O Léo só ouvia enquanto puxava um cubinho de queijo Gruyère do prato. Juca
contava:
- No dia seguinte o Lee levou algumas outras frutas e percebi que
a mocinha da limpeza dava um risinho pra mim e olhava para o Lee, meu mandarim
não era perfeito e nem nunca foi. Mas eu o entendi dizendo para ela “séquiçu”,
ela dava mais um risinho e voltava aos seus afazeres.
Já no final do expediente ela passou por mim e disse, “séquiçu”,,
toda sedutora e tal. Como eu tinha acabado minhas coisas e estava indo embora,
acabei topando com ela no elevador e ela olhando pra mim com olhos de fome.
Quando o Lee apareceu e convidou a gente para ir até a casa dele tomar um suquinho
diferenciado.
Entendi o recado, era ele deixando as coisas bem fáceis para que
eu largasse a mandioca na nobre mocinha da limpeza, ela repetiu várias vezes a
mesma coisa... “séquiçu”, “séquiçu”, “séquiçu”. Ele dava um risinho e ela
devolvia, olhando para mim, foi quando desconfiei que ele poderia ter aprendido
a palavra só pra facilitar as coisas entre mim e ela. Que cara foda! Que
parceiro!
O Antunes não se aguentava:
- Caralho, eu sabia que tinha sacanagem na parada! Que safado! Conta
logo!
O Léo corou, mas queria saber do resto da história...
- Daí então já no apê do Lee, bebidinha pra lá, a máquina
espremendo suco e o cara batizando com cachaça, comemos uns petiscos meio esquisitos
e do nada deu um calor, a mocinha tirou a roupa, pegou na minha mão e me levou
pro quarto, deitou na cama e começou a me beijar.
O Léo pediu pra ir no banheiro e o Antunes resmungou:
- Porra Léo, larga a mão! Na hora boa não! Fica aí seu caraio!
Aguenta firme!
O Léo ficou, sem saber onde enfiar a cara.
- Continua, vai...
Juca seguiu:
- A gente se beijando loucamente, quando do nada ela agarrou a
minha cintura com as pernas e gritou, “séquiçu”!
Quase afundei ela na cama na pura madeirada! Quando senti uma
coisa entrando em mim! Era o Lee, roubando toda a minha inocência se é que me
entendem. Não deu muito tempo para reclamar, já tinha acontecido o que eu mais
temia nisso tudo. O cara não entendeu nada quando eu parei tudo me vesti e vazei
dali puto da vida enquanto aquele demônio sedutor deitado na cama apenas de lingerie
agora questionava: “séquiçu”?
Descobri que a China não era pra mim.
No aeroporto, vindo embora, na fila do check-in tinha uma brasileira,
conversávamos quando pedi pra ela tirar uma dúvida, se “séquiçu” na china era
aquilo mesmo. Ela meio assim respondeu que “Sān rénzǔ” era a tradução para ménage.
O Léo com os olhos lacrimejando.
A Lurdes, garçonete lindíssima que passava por ali e prestou atenção
a história indagou o Juca:
- O china comeu o teu botão?
O Antunes cuspiu a cerveja, batendo na mesa dizendo:
- Você tomou um sucão e o china comeu o teu botão!
terça-feira, 5 de julho de 2022
Um manifesto
pelas almas que passam a vida inteira entregues ao acaso de se perder em meio ao mundo.
Deleitem-se ao menos do prazer de carregar consigo mesmos
seus medos, angústias e atrevimentos. Levem suas lições e assinem suas próprias
sentenças.
O mundo é hostil, é inóspito, o oxigênio que nos dá a vida é
o mesmo que aos poucos a tira. A natureza não é amiga, somos parte dela e de
sua cadeia alimentar. As pessoas são sacanas, são safadas, é de natureza do ser
humano levar vantagem em tudo e são pouquíssimos os casos dos que se eximem
desta culpa.
A maior parte destes vive sob as sombras do próprio egoísmo
e do mal que faz pensando apenas na própria sobrevivência. A todo momento
extraindo tudo o que a vida pode fornecer e quanto mais fácil, melhor.
A noite é dos coiotes e só sobrevive quem de fato se encarrega
de fazer parte da matilha ou se arma contra estes que procuram a carniça. Ainda
que na matilha, sabemos que a moeda de troca nunca será a lealdade. No mundo de
hoje, depender apenas de si mesmo é a grande valia.
Para o que está fazendo!
Observa a tua ação!
Pensa se fosse na tua pele!
Agradece mais do que pede!
Segue a sua vida!
Percebe quem são seus inimigos!
e, não tenha medo..."
Os coiotes tendem a temer quem não os teme.
sexta-feira, 15 de abril de 2022
O trago
Ao mesmo tempo
A brasa sustenta
Regida pelo vento
Naquele que se ausenta
O cais de américa se finda
A fragata se adentra
Um oceano se centra
Num destino que em sua vinda
Trás-os-Montes da Lusitânia
Agrava os perigos dos mouros
Em harmonia
Aos tolos
Pobres dos que carregam
Um destino incerto
D’onde se entregam
No exceto
Inocentes morrem
O cigarro se apaga
O frio se torna ad valorem
Nos pulmões de quem traga
Para tal derrota
É preciso astúcia
Ao som da rôta
Ao passo da renuncia
“As gaivotas pairam no céu tocando o oceano em seu desígnio
de perpetuação. O Sol se põe ao longe enquanto as embarcações parecem sumir no
horizonte. Estou num cais, como quem parte. Olhando o mar, como quem fica.”
Vom Krystie McDonnadan
terça-feira, 12 de abril de 2022
Mallevs Maleficarvm
quinta-feira, 31 de março de 2022
Toronto
Eu queria dizer uma coisa breve, nunca foi meu plano te deixar.
Você com seus transeuntes que
nunca param de andar, é natural, é fria, é calma e é tranquila. Toronto é de longe
o melhor lugar que já estive, é onde me sentia bem no meu trabalho, me sentia
bem em relação às pessoas tanto no tratamento para com os estranhos que pediam
informação quanto na rispidez de outros que chegaram de outros países ainda
crus e cegos pelo seu instinto de sobrevivência. Suas ruas são convidativas e
nos fazem querer conhecer cada pedacinho, tanta coisa para se ver, tanto a se
descobrir dentro de sua excentricidade do nascer de um dia ao nascer de outro
dia.
Andar pelo cruzamento da Yonge and
Bloor, ouvir ao longe Del Barber em sua musica lançada em 2014, Big Smoke. “Cegos
pelas luzes da cidade Cego pelas luzes da cidade ninguém pode ver você parando.
Faz tanto tempo desde que você viu as estrelas da pradaria e você não tem
certeza de que pode lembrá-los, mas há algo aqui para você encontrar”. É uma
música que fala sobre nossas raízes, sobre certas coisas que a gente se encanta
quando descobrimos algo novo e como as coisas parecem sumir no éter. Seguindo
por qualquer direção encontramos sempre uma arquitetura preservada, sempre
muito antiga, sempre muito bem cuidada. Atravessar com pressa pela Union Station
e adentrar como ratos às vielas da própria estação em construção dá um ar de
conhecimento, tanto quando andar pelos subterrâneos e travessas externas entre
os edifícios quando não pelas passarelas extremamente artísticas feitas
exatamente para nos proteger do frio, a vida não para, eu nunca parei, parecia
uma droga fortíssima injetada em minhas veias, desde a rotina mais natural como
comprar tickets de metrô, como o mais fora do comum em voltar em um ônibus
lotado de casa ao lado de 40 pessoas fantasiadas (entre eles um pirata e um
casal de coelhos) e você com uniforme do trabalho quando o ônibus parava para
manutenção as 2 da manhã e todos desciam em frente a McDonalds.
O café é praxe, ninguém vive ou
fica sem e sempre tem um lugarzinho para conseguir um copo cheio. As Starbucks,
Tim Hortons, McCafè e todas as outras conveniências 24h que também tinham uma
máquina. Os restaurantes Jamaicanos para quando sentir saudade do arroz com
feijão. Os shoppings, os maiores que já vi na vida, cheios de muita magia no
Natal. Pessoas que em 10 minutos de conversa se tornavam amigas sem nenhum
outro interesse por trás.
Lembro até hoje de como conheci a
Sati, uma indiana que estava perdida e pediu informações, eu estava na cidade a
3 semanas, mas tinha meu celular que ainda funcionava. Ela Queria chegar na
Adelaide Street, era caminho após o ônibus ter parado e deixado todo mundo ali em
frente ao McDonalds. Eu resolvi ir a pé até a Liberty Village e acabei a
encontrando, parada ao lado de um prédio. Dalí seguimos juntos, ambos com um
inglês bem raso, mas que conseguíamos nos comunicar. Falamos algumas coisas
sobre nossas vidas fora dali e nos despedimos quando a deixei em casa. Não
trocamos contatos e nunca mais a vi. O fato nem era exatamente esse, mas como a
cidade nos leva a destinos tão diferentes em tão pouco tempo.
E o Andrew, sempre me atendia no Brass Taps da Danforth, que cara sensacional, sempre tentava ensinar como pronunciar o nome da cidade da forma correta. "Is not Toron-to, is Turo-nou.", o Evren, que cara mais que sensacional, chegou como refugiado e tinha tanta coisa para dizer, para fazer, para mostrar. Ator, assim como eu, hoje ele tem um canal no Youtube e disse que um dia me contrata.
Atravessar a cidade enquanto o
Sol ainda não nasceu e acompanhar o acontecimento sentado no banco do streetcar
é uma experiência tão fantástica quanto propriamente andar de streetcar. Observar
as pessoas em pleno movimento junto da cidade que respira ar quente dos túneis
de metrô, algumas pessoas dormem ali e sempre nos deparamos com elas quando
saímos antes do Sol nascer. As estações Osgood, Christie, Chester, a Broadview...
Woodbine... Bay, Bloor, Union... Sem deixar a Spadina, Eglinton West e pensar
no passeio que é cada vez que se desloca, tudo vira arte, tudo se torna uma
imagem a ser apreciada quando falamos de Toronto.
Não poderia deixar de falar sobre
a Queens Quay no Harbourfront em seus cais ao longo de toda a orla. Ali
encontramos os patos mais lindos de todo o planeta. Toronto tem vistas ótimas e
como todo lugar, seus centros turísticos, CN Tower, o Aquário, as destilarias e
tantos outros lugares lindos e famosos, mas essa não é a minha Toronto, A Toronto
que conheci é muito mais do que os lugares turísticos, foi uma cidade que me
senti aconchegado, como num abraço. Nunca desde então me senti em casa em nenhum
outro lugar. Um dia voltarei, e desta vez para ficar, nosso adeus, foi apenas
um até breve.
Cya my friend.
"The tower, the clock, the streetcar and the fog. All
together in the same time, same way, same street... like the revolution, inside
my hearth while a whisper pass by me, telling about the world and your point of
view. I was scared a little and at least I thought by myself. Here is three
things never stop: The clock, the fog and me."
quarta-feira, 23 de março de 2022
A Fobia e o Decreto
Era mais um dia de sol, com aquele vento frio que soprava entre as frestas da janela e adentrava os pulmões já dissecados pela química de um cigarro. O trago absorvia o peso dos dias enquanto arrancava a tosse lá do fundo, até mesmo o agasalho exigia um pouco mais de conforto àquele que mal vestia, mal cabia, era tanto a se cobrir que o tecido já não se suportava, as tramas hora fechavam-se e hora abriam, o tecido respirava e transpirava o álcool que restava naquele corpo que buscava calor e os fantasmas apareciam buscando ajuda onde todas as entrelinhas já estavam tão expostas quanto a febre.
Arritmia e condensação
precipitavam diante do crepúsculo que se fazia presente por entre as arvores e
torres de energia. As linhas tinham um ponto de inicio e final, o horizonte
calmo e sereno denunciava a tormenta que se avizinhava no meio fio da calçada.
As paredes de tijolos corroídos pelo tempo tinham data indefinida para se
render a erosão e todo o processo de deterioração mundano. Ali se faria um
túmulo onde os insetos mais desavisados seriam definitivamente aniquilados pela
gravidade. Uma explosão na casa das máquinas tratava de um erro humano. O trago
ainda presente assistia ao caos da própria janela, os pássaros assustados se
movimentavam para um lugar seguro longe dali enquanto a dor dos entes queridos
se resumia em gritos e pranto.
O piano ainda restava diante da
sala do segundo andar já sem acesso após a destruição das escadas. Nas
proximidades ouvia-se as tampas de esgoto batendo em seu anel metálico enquanto
a água turva e barrenta descia a avenida carregando os corpos, carros, animais
mortos e lama. A enxurrada vista do alto do helicóptero que fazia um voo
panorâmico, antes de se chocar com os fios de alta tensão e consequentemente
cair na quadra poliesportiva do complexo escolar, era o semblante do desespero
dos que ali buscavam ajuda. O fogo tomou conta d’onde a água preferiu se eximir
da culpa.
Após um tempo tudo silenciou, a lama acalmou, o fogo foi se apagando dando origem ao carbono e aos ossos dos que não puderam voar, o comum destino daqueles que no inferno se instalaram e ao léu se findaram clamando pela justiça divina. O estrago, o trago, o bêbado e a lamparina, davam o tom de mais um entardecer lindíssimo no paraíso enquanto as lanternas se acendiam sob o precipício.
Aqui jaz um cadáver, sem nome, sem família, sem lar e sem nada, não se sabe se teve seu último desejo atendido ou se pode fazer sua última refeição. O que se sabe é que a vida toda ele havia sonhado com este momento, o momento em que se explica o abrupto som de um trovão.
sábado, 20 de novembro de 2021
Carta a Vom - As memórias
Meu caro Vom, sempre inicio nossas cartas com este prefixo, já que tantas as vezes nos obrigamos a esquecer. O esquecimento parece uma ligeira defesa do nosso cérebro para que não guardemos tantas coisas as quais as vezes não possamos carregar. Como diria um grande amigo em um de seus desconexos textos: - “Te vejo neste contexto desde sua partida, como alguém que viaja e não volta, não tive nenhuma opção a não ser aguentar os mundos nas costas, daquele dia em diante tudo o que eu pude fazer foi suportar e entendo que suportarei até o momento em que passarei este fardo a outra pessoa que terá a minha imagem e semelhança, apesar de tuas loucuras, havia uma bondade infinita dentro deste seu coração, apesar da dureza, havia a compreensão, apenas sua teimosia me matava aos poucos assim como te matou também.” Sinto, meu caro Vom, que daí deste lugar pequenino as coisas são vistas com um certo desleixo, a situação por aqui é precária, ouvi dizer que mais ao oeste pessoas passam fome, não possuem água nem mesmo para cozinhar seus alimentos tão escassos que perecem ao desuso. Gostaria também de dizer que talvez seja um engano taxar as coisas como norte, sul, leste e oeste... Pensando bem, vivemos em um globo, um geoide, uma esfera, enfim, independente da direção que você percorra, a chance de retornar ao ponto de partida é muito grande. Levando em consideração os efeitos que isso poderia causar na malha espaço-tempo e alguns infortúnios pelo caminho a chance de que tudo retorne ao seu lugar é muito e fatalmente grande. Não há norte, nem leste, nem sul e nem oeste; O que sempre haverá é a frente. Quando observamos algo, temos a percepção de que existe profundidade, mas sempre observamos tudo em 2 dimensões, nossos olhos humanos não são capazes de perceber 3 dimensões. Pode parecer besteira o que digo, meu caro Vom, mas se observar daí da sua janela o nosso planeta, verá uma esfera? Verá um círculo, como uma chancela, como a mesma chancela que estampa o envelope desta carta que chega até você pelo menos 10 anos atrasada. Sabe que estes são problemas mundanos nos dias de hoje, a realidade se choca com a ciência e as pessoas simples, mortais, insistem em querer explicações óbvias demais e optam por acreditar nos absurdos. Volga hoje acordou resfriado, miou pra lá, olhou para a tigela cheia, cheirou o leite e pulou na mesa do café, serviu-se de uma xicara, optou por não colocar açúcar, pediu meu cachimbo emprestado e está lá, admirando a neve na janela enquanto degusta seu cafezinho e aquele tabaco que colhemos no último verão. Verão aquele que tenho uma certa saudade, montávamos quebra-cabeças, riamos da TV, bebíamos um bom vinho. Hoje seria um dia de memórias, mas algumas coisas eu fiz questão de esquecer, o dia em que você foi embora na capsula Soyuz e simplesmente ficou sem mandar notícias por anos e anos. As meninas que também foram embora e as vezes ligam para saber como estamos. Queria dizer que sinto saudade de casa, mas ao mesmo tempo um grande amigo das terras altas dizia “Bidh an dachaigh agad far a bheil do chridhe” – “Sua casa será onde o seu coração estiver” – Logo, vejo que não tenho uma casa, já que todos se foram, restou o Volga, ele que as vezes passa pela sala com seus miados contundentes de que guardou muita mágoa de todos vocês, esses dias ele disse em alto e bom som que vai embora daqui, que as malas já estavam prontas, ele só precisava de um plano para levar a nossa vaca com ele para garantir o estoque de leite para o inverno. No mais, ano que vem dizem que o tempo melhora, só não sei para quem e por que insistem em prever o futuro, o tempo, o clima. Os seres humanos são seres fascinantes até certa idade, são irritantes quando descobrem que aos gritos se consegue qualquer coisa, são ainda mais irritantes quando entendem que chorar demonstra fraqueza dentro de si e desperta cuidados nos que estão ao redor. Então, meu caro Vom, entendemos que este fascínio também é perecível e que nós acabamos nos esquecendo muito facilmente do que nos encantou para manter uma chama acesa. Quando fecho os olhos meu irmão, vejo o caminho sem volta que nos enfiamos e que precisamos resolver, penso na veracidade de minhas memórias, cada vez mais obtusas, lembro-me de como éramos felizes brincando na neve, aquele balanço feito pelo caseiro para que nós pudéssemos balançar até tocar o céu. O velho carvalho, os moinhos, o vento que soprava pelas frestas do celeiro, os animais que se abrigavam do frio e se escondiam dos lobos que vez ou outra tentavam a sobrevivência. A vida nunca foi fácil, mas nunca foi tão divertida, não é mesmo meu irmão? As vezes me pego olhando nossos retratos na parede da cozinha enquanto paro para pensar na vida, sento-me no balcão e passo alguns minutos observando a brasa do fogão e lembro do dia que balançamos tanto que você chegou a tocar o céu, as brasas do fogão se tornaram as labaredas do foguete. É, meu caro Vom, as coisas nem sempre são como deveriam ser, ou as vezes são, depende do ponto de vista no qual nos encaixamos. Eu gostaria de falar muitas outras coisas, mas caíram no esquecimento. Fique bem meu amigo, meu irmão, meu companheiro. Volga foi brincar lá fora.
“Até mesmo os lobos que cruzam o branco deserto enevoado
podem por a vida em risco se não fosse o instinto. Observar não compreende em
apenas observar de forma propriamente dita, mas se faz necessário entender que
nem tudo pode ser escolhido, um impulso de olhar para um lado e não para o
outro, esta deliberação automática e instintiva nos faz compreender e observar
sempre a metade de um dia.”
Faber Krystie McDonnadan
sexta-feira, 22 de outubro de 2021
A Pólis e Apolo - Um manifesto
Somos fortes, somos individuais e prezamos apenas pela nossa sobrevivência, sobrevivência essa de um conceito falso, já que a maior parte de nós ainda vive com os pais e não tem a necessidade de pagar aluguel e contas básicas como alimentação, transporte e vestimentas. Alguns de nós tem seus empregos, são até bem-sucedidos, mas jamais escapam da sombra dos pais, estes que com o auge dos 40, 50 ou 60 anos ainda provém o sustento de uma família. O dinheiro falta, não temos controle financeiro, não precisamos dele, somos nós que mandamos no nosso dinheiro e compramos o que queremos, gastamos tudo com o que nos convém. Sejam bebidas alcoólicas, roupas de grife, sapatos, tabaco, drogas ilícitas e afins. Muitos de nós possuem pequenos fetiches por coisas ditas de nerd, ou então o termo nerd foi adquirido por alguns de nós que se autodenominam nerds, que fazem parte da cultura nerd, da cultura gamer, da cultura de algo tecnológico. Amamos livros que talvez nunca leiamos, ou somos escritores de um mundo que não consome a nossa escrita, somos seres viventes de mundos duais, nossos álter-egos sobrevivem virtualmente em lugares onde postamos fotos com filtros, apreciamos um mundo não palpável que serve de alicerce à depressão de uma geração toda. A confusão mental que se avizinha a passos largos se transforma logo em músicas de letras vazias, riffs rápidos, flows contínuos e strings de curto alcance. Somos aqueles que nunca foram a uma guerra, que nunca ouviram um tiro de canhão disparado por um tanque ou ainda mais, nunca vimos o próprio tanque explodindo após uma descarga de bombas vindas do céu através de um avião e não estamos nem um pouco preocupados com isso. Queremos a paz. Queremos que o mundo seja tão belo quando as fotos que vemos no Pinterest. A guerra é interna, lutamos contra nós mesmos, dentro de nossas cabeças. Sentimentalmente somos carentes de afeto ou simplesmente ignoramos este fato nos escondendo nas sombras de um sorriso semicerrado pela bebedeira ou efeito de algo. Passamos a semana esperando pela sexta-feira, ansiamos pelo sábado e morremos novamente no domingo. Somos a escória, somos os ladrões, somos os reclusos, somos os culpados pela sociedade marginal, pois, por incrível que pareça, nós mesmos éramos os marginais e hoje somos os que consomem o mundo, somos a mão de obra e amanhã, se ele chegar, seremos os detentores do dinheiro, teremos nossas contas, mas não teremos nossas casas. No nosso mundo não há divisas, não há fronteiras, seja ele virtual ou real, temos uma capacidade de mutação e adaptação tão grande, que isso nos liberta das algemas do pertencimento mútuo da terra. Somos o próprio vento, que sopra pelo vão e traz o frescor da manhã de mais um dia. Este que sempre será a dúvida, o amanhã virá? Isso significa que cada dia é único e que todos os dias podem ser os últimos mas, isso não significa que não devemos acreditar em um mundo melhor. Somos os seres decadentes do século presente, vivemos em busca de algo que não sabemos o que é, de onde vem e para onde vai. Temos ciência apenas do quanto custa e alguns nem isso, estes nasceram em berço de ouro e não precisarão se preocupar com nada a vida toda. Haverá talvez a necessidade de adquirir uma boa educação para que se perpetue a sua própria espécie, estes são os ditos comuns que em geral repetem sempre o mesmo ciclo - nascimento, aprendizado, trabalho, procriação e morte. - Dentro destas fases existem os sentimentos afetuosos que o mantem nesta linha rumo ao infinito ciclo de perpetuação da espécie dentre o sistema no qual somos apresentados. É mister de como o planeta sustentará toda uma geração de pessoas que no final das contas não conseguirão sustentar o próprio sistema. Este entrará em colapso e cairá em desuso como uma bituca de cigarro ou como uma resistência de um dispositivo de vapor. A tecnologia vencerá, o ser humano perecerá em doses homeopáticas restando accounts, characters, e-mails, IDs e skins. Somos os virtuais, os eternos, os binários, não-binários, os sem gênero e os generais. A nossa guerra, mais uma vez, é contra nós mesmos. O futuro não é o agora e ele talvez nem exista neste lapso temporal causado pela própria inercia constante em nossos corações.
quarta-feira, 1 de setembro de 2021
Drogas, conteúdo sexual e linguagem imprópria
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021
O Juízo
Os gritos de socorro que se ouvia ao longe entre os cânions repletos de areia e solidão a lua pairava no ar como se flutuasse entre o túmulo e a grama verde que cobria o cemitério no qual se instalavam os bunkers nos quais muitos se salvavam.
Salvação era a ideia primordial antes que qualquer coisa se chocasse com a realidade mórbida dos alienígenas que visitavam constantemente o planeta. Estes tinham uma certa resiliência a aterrissar suas naves e se deparar com a hostilidade que poderia ocorrer em um lugar onde misseis apontavam para os iguais. Era de fato complexo compreender o porque daquela destruição. Por vezes clamavam por soberania e outras vezes clamavam por misericórdia, a questão era o entendimento entre ambos que já não falavam a mesma língua ou até mesmo não se interessavam em compreender o que sentia cada um.
O tumulo estava vazio, era apenas uma ideia que a cada pá de terra que se colocava ali se tornava também o fim de qualquer chance de paz. O tumulo significava o fim, ou talvez o reinicio de algo que se via incrivelmente obsoleto. Na verdade, enterrar pessoas também fazia com que o próprio solo se tornasse algo tóxico que contaminava os recursos naturais nos quais se nutriam os seres humanos. Algo que não se entendia era exatamente o porque os seres não tinham a ideia de que modificavam os meios que se instalavam com suas palavras e ideais. O desentendimento tornava tudo mais obscuro quando as ações não condiziam com as metas de vida, tudo era para o presente e tudo se fazia obsoleto com o passar do tempo. O egoísmo humano se tornava a produção mais tóxica que os próprios corpos enterrados.
Claro que alguns diziam também que a matéria orgânica nutria o solo e fazia com que ele se tornasse melhor, não estavam tão errados, mas, até que ponto realizariam plantios em solos ditos sagrados ou mesmo que tudo aquilo fosse pelos ares não seria uma boa sacada manter tudo como estava. O silencio fúnebre era cortado pela liberdade na qual o mesmo espirito que cobrava caro pela estadia também falava sobre como se ofertar o próprio desdém.
Eram espíritos errantes, quase que em um jogo de batalha naval onde qualquer passo se tornaria o motivo para a explosão. Durma bem, meu anjo, ninguém ali afinal gostaria de dormir sozinho, muito pelo contrário, seria até mais seguro que as idas e vindas das rotações do pequeno planeta azul fossem mais lentas e nas quais a vida seria menos incompleta se não fosse a resiliência extraterrestre. A humanidade estava em colapso e não seria inteligente provar-se existente no mundo que seguia a deriva e numa de suas entradas o meio humano era protegido por uma densa camada chamada atmosfera, mas, afinal, estávamos protegidos ou presos?
Nos é mais interessante pensar que estamos sozinhos ou mais tenebroso arriscar um palpite que estamos acompanhados nesta jornada clássica de uma nave que atravessa os tempos em busca de um lugar seguro para a espécie? A vida será perpetuada, desde que o ser humano não se deteriore e não se coloque a prova de vida pois, a cada segundo vivido, notamos que a vida se vai e que muitas vezes o piscar de olhos astronômico sejam vidas inteiras dos seres que sobrevivem no planeta azul.
A questão maior que ainda paira no ar como um beija-flor, por que estamos aqui e qual o propósito? Se a vida é tão curta e se vivemos no meio-fio todos os dias em busca de sobrevivência, por que fazemos tudo tão mais difícil? Mais uma vez sugere-se o egoísmo dos universos que convivem, cada um luta pela própria sobrevivência da forma que pode e no fim de tudo nunca deixamos de poluir.
Os anos se passam e nós apenas nos reinventamos. Maquinas, plantas, pulso, agonia, sentimentos, psique, jogos e feridas. Cada um nesta vida, dá o que pode e o que tem, mas nem todos se esforçam para manter a sanidade mental alheia, o metal, o conforto, a densidade da camada atmosférica, estes são inigualáveis pontos a se pensar todos os dias se realmente são necessários.
quinta-feira, 31 de dezembro de 2020
Hljómalind (trilha sonora)
A iluminação sob as velas e os fogos que ela mesma acendeu enquanto acendia também um cigarro antes de sua apresentação, seus olhos vidrados, roupas surradas, dedos esguios e um piano velho. No palco também empoeirado um vento batia por conta da porta do camarim que ficou aberta, na verdade ela não se fechava a anos devido a ferrugem que tomava suas dobradiças e ferrolhos, a necessidade de renovação era imprescindível naquele momento, porém, não se tinha notícias do mundo externo.
A humanidade daquele dia em diante não sabia mais como se
encontrar e não falamos de abraços e extensos diálogos, falamos de saber a
atual situação e esta era um pouco mais complexa pensando do ponto de vista
técnico em 59 milhões de anos-luz onde uma estrela ainda brilhava, longe, inalcançável,
bela e branca. Era a visão da pianista que olhando por uma fresta do telhado
que se rompeu na ultima tempestade, a esperança estava ali, naquela fresta
rompida pela água que se transformou em mofo no chão de carpete que um dia já
foi um apoio aos pés de pessoas muito felizes e importantes. A esperança estava
ali, a 59 milhões de anos-luz, longe, inalcançável, mas, estava ali, bem na
fresta, em seu olhar turvo.
Encerrando seu ato, apagando o cigarro e com a boca seca,
ainda sentada na banqueta que a aproximava mais das teclas, entre tantos pensamentos
possíveis, ela só poderia arriscar o palpite de que o Sol retornaria no dia seguinte,
trazendo uma nova esperança, bem mais próxima, mas mesmo assim, pouco palpável.
Ele traria um novo dia e ao mesmo tempo ofuscaria também as outras tantas
esperanças. Lembro-me do piano decadente, da pianista que derramava lágrimas
sobre as teclas enquanto executava um réquiem para uma plateia morta. Dali saíram
as notas de um lamento no qual não havia ninguém para ouvir a não ser suas próprias
entranhas.
Nota por nota, movimento por movimento, páginas e páginas.
Tudo se tornava cada vez mais dramático quando em um movimento brusco a batuta
caíra em plena execução tornando o prazer sensorial em medo e angustia ao
perceber que não havia um maestro e muito menos a orquestra. Ela estava só. Não
havia palco, piano e nem pianista.
sábado, 28 de novembro de 2020
O sonho se foi - por Vom
Meu caro Fiodor, hoje me encontrei no limbo, hoje ao despertar percebi as horas e percebi que o tempo correu rápido demais. Quando notei já tinha passado meu aniversário e assim que levantei percebi que já se foram 3 séculos e 6 décadas. Isso me faz parar para pensar na relatividade. Encontrei um pouco de paz na realidade aumentada das versões Deus x Maquina de uma vida completamente invadida por soldados em missão de paz. Sabemos o quanto é necessário saber que a paz existe, desde que também saibamos como controlar a soberania e pegar em armas se for necessário. Sei que daqui da terra não temos muitas formas e garantias, mas ao mesmo tempo sabemos dos limites dos quais a vida se classifica, se eterniza e se mantém em pleno ciclo. Quanto mais se evolui mais próximo do precipício nos vemos e cada vez que o mundo se aproxima do final. Os seres humanos acreditam em coisas que as vezes parecem tão sórdidas e mentirosas, parecem na verdade bem perdidos, tristes, sem perspectiva. Eles tem razão, eles sabem que o fim se aproxima e que é extremamente difícil pensar que todos um dia se vão, menos nós meu caro Fiodor. Nós estaremos sempre em algum lugar, errantes, e, por mais que nesta estação espacial não tenha hoje nem mais oxigênio e as capsulas de hibernação já estejam por um fio, a cada 20 ou 30 anos terrestres elas despertam para que o corpo não entre em colapso, me sinto como se não houvesse mais estação, nem caverna, nem mares, nuvens ou qualquer coisa palpável com uma saída.
É admirável e intenso como hoje vi uma nebulosa. Ela se
parecia com uma borboleta. Me diga meu irmão, estes animais ainda existem?
Tenho medo as vezes de perguntar as coisas, as respostas podem ser devastadoras
ou de fato nem chegarem a tempo. Talvez seja este mesmo o problema, o tempo.
Este é marcado, mas é falho, é implacável e quase sempre é triste. Quando vejo
algo muito brilhante no céu já penso em esperança, já imagino que vão me tirar
daqui, mas quase sempre são apenas destroços de naves espaciais ou cometas ao
longe que se espatifam na atmosfera terrestre. Ontem, de longe, Vênus deu o ar da
graça e me fez pensar que a esperança apesar de longe, pode ser ainda algo a se
agarrar. Hoje tomei consciência de que mesmo a deriva, estamos sempre em
movimento e este sempre será o mote para a realidade e o movimento, este é instantâneo.
Voltando ao limbo, este era apenas uma realidade que se foi
ao abrir os olhos. Ele foi real e ao mesmo tempo foi imaginário, de um lado o preto
do universo cravado de estrelas e do outro a câmara de hibernação de tampo
aberto e a sirene que insiste em tocar acusando a troca mais que urgente dos
cilindros de oxigênio e água. Os remédios acabaram também, os alimentos já estão
em racionamento. As sirenes tocam e a relatividade me choca com o céu e o
inferno diário, e neste momento nem mesmo o céu significa paz. Este hoje me
garantiu que Deus está morto.
“Libertar-se da mentira nunca quer dizer que a verdade foi
posta as claras. Significa que talvez o inferno chegou mais cedo que o
esperado. Os significados de chiaroscuro são tão amplos quanto uma pintura de Rembrandt
em meio ao mundo no qual vivemos e isto sim é tão amplo. A cada palavra que
descreve o todo, ele se amplia, por isso a libertação é algo extremamente duro.
Em verdade, a própria verdade pode ser também o encontro com seu próprio
tumulo.”
Faber Krystie McDonnadan
sábado, 26 de setembro de 2020
Os anjos
Hoje fez 1 ano.
Aquele copo quebrado que flutua nas marolas de um fluente
rio de lodo trouxe uma complicada composição de um fado de esperança e dor.
Observar os fractais que estilhaçam a luz em multicores também nos eleva a
condição pensante, precisamente, em um cemitério de águas vivas que já não mais
fluem ou nadam pela veia d’água. O sono se desfaz, o sonho deu lugar ao
desequilíbrio de um pesadelo em que por algumas vezes se fazia no breu. Ao
arriscar contato telepático em outros lugares, deu-se espaço ao mais temido dos
deuses, Cronos, deus do tempo, aquele que tudo devora. Olhar para trás não é
saudável e olhar pra frente não é aconselhável. A tentação de experimentar o
presente se torna a única saída e a única forma de se conseguir um melhor olhar
sobre as coisas.
O vento que determina a velocidade e a direção das
bandeirolas, é o mesmo que hoje não sopra mais em seus pulmões. A vida tirou você
daqui e o vento levou você pra onde eu não posso ver. Enquanto isso, os corais
se mantêm intactos, inertes, mortos e o veleiro continua a deriva, como sempre
esteve.
Me sinto num cais, como quem parte. Olhando o mar, como quem fica.
"Somos todos escravos e reféns de nossos atos. O mundo continuará girando e a garrafa de whisky estará sempre no fim, você pode deitar-se e perder horas de vida, você pode embriagar-se e justificar suas escolhas e você pode simplesmente ser alguém melhor todos os dias. O tempo, este sim é o pior dos monstros, ele dá, ele tira, não haverá trégua ou misericórdia."
Faber Krystie McDonnadan
sexta-feira, 28 de agosto de 2020
O avesso
As vezes é como se o peso do mundo estivesse em minhas costas, como se tudo o que carrego em mim fizesse sentido apenas em um momento final. As vezes me pego de surpresa pensando em por fim em tudo isso e as coisas se resolvem de forma clara. Eu e o velho espelho d'água nos encontramos, o gosto amargo dura mais do que deveria e tudo aquilo ainda sem sentido persevera em um momento audaz, vicioso, incompleto e terminal. É como se o peso do mundo estivesse em apenas um grão, em uma sentelha que persiste em alimentar o fogo.
É uma esperança morta. Uma esperança triste, a tristeza da espera, o caos de um lugar que nunca pertenci. O criador versus a criatura. A máquina que não para, trabalha e sem vida continua a trabalhar. É o hostil, o horário, a sirene de um alarme que toca a noite inteira e te faz acordar no meio da noite.
Um momento de paz que só existe por alguns segundos antes da explosão nuclear. É o sem-tempo, sem-teto, sem-música, semi-riso frouxo incômodo durante a prece e presença imortal. É o trauma da cabeça contra o chão, do ônibus que nunca chega, do metrô vazio, das luzes que ao longe vem chegando e se vão. O barulho industrial, a canção que já não existe, a poesia que morre junto aos vitrais de uma catedral após o atentado.
Sempre existiu uma carne insensível, putrefada entre os vermes e abutres na estrada. Os carros passam e se vão, o Sol já deu lugar a noite e o dia se foi para nunca mais voltar. O coringa se desfaz aos poucos, se torna um alfinete no meio do palheiro e dá lugar a dor e ao descaso.
Daqui da ISS, vejo o mundo escapando por entre os dedos de um pianista em uma cancioneta errônea, inominada e decadente. No sonho a escuridão das estrelas da lugar ao sentimento de queda e ao incômodo de bater com o corpo no colchão de terra batida, lama e poeira.
De volta ao espelho d'água, este agora turvo, como um castelo de cartas que, em câmera lenta, se dissipa junto ao realejo e suas notas dissonantes por extinto, extintas.